Long live The Economist! Bring on another 175 years!
A revista The Economist completou, este mês, 175 anos. Para celebrar a data, a edição de 13 de Setembro teve como tema principal "Um manifesto para renovar o liberalismo".
Esse manifesto termina com um apelo à acção: "E pedimos aos liberais em todos os lugares que se juntem a nós".
Não podemos deixar de mencionar que foi desse mesmo modo - com um apelo à acção - que terminou a apresentação realizada pelo PLP no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, em 2016: "Uma ideia de acção política: um partido libertário".
Porque o libertarianismo é a quintessência do liberalismo, fazemos eco do apelo da The Economist, dirigido a simpatizantes de todos os credos liberais - liberalismo conservador e conservadorismo liberal, liberalismo económico, neoliberalismo, liberalismo clássico, liberalismo americano, liberalismo social, liberalismo nacionalista, ordoliberalismo, paleolibertarianismo, liberalismo cultural, etc. - e a todos os que pugnam pela liberdade, para que, em conjunto, dêmos o nosso contributo para a criação de uma sociedade livre. O que nos separa - salvo, claro está, projectos declaramente de poder pessoal - é uma questão de grau e não de substância; o que nos une é a luta contra o monstro totalitário.
Face à oportunidade, importância e relevância desse texto, procedemos, em baixo, à sua divulgação.
Um manifesto para renovar o liberalismo
O sucesso fez dos liberais uma elite complacente. Precisam de reacender o seu desejo de radicalismo.
O LIBERALISMO fez o mundo moderno, mas o mundo moderno está a voltar-se contra si. A Europa e a América estão no meio de uma rebelião popular contra as elites liberais, que são vistas como egoístas e incapazes, ou desinteressadas, em resolver os problemas do cidadão comum. Por todo o lado, uma mudança de 25 anos em direção à liberdade e aos mercados abertos inverteu-se, enquanto a China, que em breve será a maior economia do mundo, mostra que as ditaduras podem prosperar.
Para o The Economist, isso é profundamente preocupante. Fomos criados há 175 anos para fazer campanha pelo liberalismo - não o "progressismo" esquerdista dos campi universitários americanos ou o "ultraliberalismo" de direita invocado pelos pânditas da imprensa francesa, mas um compromisso universal com a dignidade individual, mercados abertos, governo limitado e uma fé no progresso humano gerado pelo debate e pela reforma.
Os nossos fundadores ficariam surpreendidos com a forma como a vida hoje se compara à pobreza e à miséria dos anos 1840. A esperança de vida global nos últimos 175 anos subiu de pouco menos de 30 anos para mais de 70 anos. A proporção de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza extrema caiu de cerca de 80% para 8% e o número absoluto caiu para metade, enquanto que os que vivem acima desse limiar passou de cerca de 100 milhões para mais de 6,5 milhares de milhões. As taxas de alfabetização aumentaram mais de cinco vezes, para mais de 80%. Os direitos civis e o estado de direito são incomparavelmente mais robustos do que há apenas algumas décadas. Em muitos países, os indivíduos agora são livres para escolher como vivem - e com quem.
Tudo isso não de deve ao trabalho dos liberais, obviamente. Mas enquanto o fascismo, o comunismo e a autarcia falharam ao longo dos séculos 19 e 20, as sociedades liberais prosperaram. Nas suas várias matizes, a democracia liberal passou a dominar o Ocidente e a partir daí começou a espalhar-se pelo mundo.
Louros, mas não descanso
No entanto, as filosofias políticas não podem viver de acordo com as suas glórias passadas: também devem prometer um futuro melhor. E aqui a democracia liberal enfrenta um desafio iminente. Os eleitores ocidentais começaram a duvidar de que o sistema funcione a seu favor ou que seja justo. Numa sondagem do ano passado, apenas 36% dos alemães, 24% dos canadenses e 9% dos franceses achavam que a próxima geração estaria melhor do que seus pais. Apenas um terço dos americanos com menos de 35 anos dizem que é vital viver em democracia; os que aceitariam um governo militar cresceu de 7% em 1995 para 18% no ano passado. Globalmente, de acordo com a Freedom House, uma ONG, as liberdades civis e os direitos políticos declinaram nos últimos 12 anos - em 2017, 71 países perderam terreno, enquanto apenas 35 conseguiram ganhos.
Contra essa corrente, The Economist ainda acredita no poder da ideia liberal. Nos últimos seis meses, celebrámos o nosso aniversário de 175 anos com artigos on-line, debates, podcasts e filmes que exploram as formas de responder aos críticos do liberalismo. Nesta edição, publicamos um ensaio que é um manifesto para um reavivamento liberal - um liberalismo para os cidadãos.
O nosso ensaio mostra como o estado pode trabalhar mais para os cidadãos, reformulando a tributação, o bem-estar, a educação e a imigração. A economia deve libertar-se do crescente poder dos monopólios corporativos e das restrições do planeamento que afasta as pessoas das cidades mais prósperas. E pedimos ao Ocidente que apoie a ordem mundial liberal através do fortalecimento do poder militar e de alianças revigoradas.
Todas essas políticas são projectadas para lidar com o problema central do liberalismo. No momento de triunfo após o colapso da União Soviética, perdeu de vista os seus próprios valores essenciais. É por eles que o reavivamento liberal deve começar.
O liberalismo surgiu no final do século XVIII como uma resposta ao tumulto promovido pela independência na América, pela revolução na França e pela transformação da indústria e do comércio. Os revolucionários insistem que, para construir um mundo melhor, primeiro tem que se esmagar o que está à sua frente. Em contraste, os conservadores suspeitam de todas as pretensões revolucionárias à verdade universal. Procuram preservar o que há de melhor na sociedade gerindo a mudança, geralmente sob uma classe dominante ou um líder autoritário que "sabe o que é melhor".
Um motor de mudança
Os verdadeiros liberais defendem que as sociedades podem mudar gradualmente para melhor, e de baixo para cima. Diferem dos revolucionários porque rejeitam a ideia de que os indivíduos devem ser coagidos a aceitar as crenças de outra pessoa. Diferem dos conservadores porque afirmam que a aristocracia e a hierarquia, na verdade todas as concentrações de poder, tendem a tornar-se fontes de opressão.
O liberalismo começou, portanto, como uma visão inquieta e agitada do mundo. No entanto, nas últimas décadas, os liberais acomodaram-se ao poder. Como resultado, perderam a fome de reforma. A elite liberal dominante diz a si mesma que preside a uma meritocracia saudável e que conquistaram os seus privilégios. Mas a realidade não é tão clara.
No que tem de melhor, o espírito competitivo da meritocracia criou uma extraordinária prosperidade e uma riqueza de novas ideias. Em nome da eficiência e da liberdade económica, os governos abriram os mercados à concorrência. Raça, género e sexualidade nunca foram uma barreira tão baixa para a mobilidade social. A globalização ergueu centenas de milhões de pessoas, nos mercados emergentes, da pobreza.
No entanto, os liberais no governo muitas vezes protegeram-se dos vendavais da destruição criativa. Profissões não muito exigentes, como no direito, são protegidas por leis estúpidas. Os professores universitários gozam de estabilidade mesmo quando pregam as virtudes da sociedade aberta. Os banqueiros foram poupados do pior da crise financeira quando os seus empregadores foram socorridos com o dinheiro dos contribuintes. A globalização foi criada para gerar ganhos suficientes para ajudar os perdedores, mas poucos sentiram os seus efeitos.
Seja qual for a perspectiva usada, a meritocracia liberal é fechada e auto-sustentável. Um estudo recente descobriu que, em 1999-2013, as universidades de maior prestígio da América admitiram mais estudantes do topo 1% das famílias por rendimento do que dos 50% inferiores. Em 1980-2015, as propinas universitárias nos Estados Unidos aumentaram 17 vezes mais rápido que o rendimento mediano. As 50 maiores áreas urbanas contêm 7% das pessoas do mundo e são responsáveis por 40% de sua produção. Mas as restrições do planeamento impedem o acesso a muitos, especialmente aos jovens.
Os liberais no governo ficaram tão envolvidos em preservar o status quo que se esqueceram do que é o radicalismo. Lembre-se como, na sua campanha para se tornar a presidente da América, Hillary Clinton ocultou a falta de grandes ideias por detrás de uma nevoeiro de pequenas. Os candidatos a líderes do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha em 2015 perderam para Jeremy Corbyn não porque ele fosse um talento político deslumbrante, mas porque eles eram indistintamente insossos. Os tecnocratas liberais criam intermináveis soluções inteligentes de políticas, mas permanecem visivelmente distantes das pessoas que supostamente deveriam ajudar. Isso cria duas classes: os que fazem e os que recebem, os pensadores e os pensados, os formuladores de políticas e os destinatários das políticas.
As fundações da liberdade
Os liberais esqueceram-se que a sua ideia fundadora é o respeito cívico por todos. O nosso editorial centenário, escrito em 1943 enquanto a guerra contra o fascismo se desenrolava, definia isso em dois princípios complementares. A primeira é a liberdade: que é “não apenas justo e sábio, mas também lucrativo… deixar as pessoas fazerem o que querem”. A segunda é o interesse comum: “a sociedade humana pode ser uma associação para o bem-estar de todos”.
A meritocracia liberal de hoje sente-se desconfortável com essa definição inclusiva de liberdade. A classe dominante vive numa bolha. Frequentam as mesmas faculdades, casam-se entre si, vivem nas mesmas ruas e trabalham nos mesmos escritórios. Longe do poder, espera-se que a maioria das pessoas se contente com a crescente prosperidade material. No entanto, no meio da estagnação da produtividade e da austeridade fiscal que se seguiu à crise financeira de 2008, até mesmo essa promessa foi muitas vezes quebrada.
Essa é uma razão pela qual a lealdade aos partidos principais está a ser corroída. Os conservadores da Grã-Bretanha, talvez o partido mais bem-sucedido da história, angariam agora mais dinheiro com os legados dos mortos do que com as liberalidade dos vivos. Nas primeiras eleições na Alemanha unificada, em 1990, os partidos tradicionais conquistaram mais de 80% dos votos; a última sondagem dá-lhes apenas 45%, comparado com um total de 41,5% para a extrema direita, a extrema esquerda e os verdes.
Em vez disso, as pessoas estão a refugiar-se em grupos identitários definidos pela raça, religião ou sexualidade. Como resultado, esse segundo princípio, o interesse comum, fragmentou-se. As políticas identitárias são uma resposta válida à discriminação, mas, à medida que as identidades se multiplicam, a política de cada grupo colide com a política de todos os outros. Em vez de gerar acordos úteis, o debate torna-se um exercício de indignação tribal. Os líderes à direita, em particular, exploram a insegurança gerada pela imigração como forma de angariarem apoios. E usam argumentos inanes de esquerda sobre a correção política para alimentar a sensação de que os seus eleitores estão a ser desprezados. O resultado é polarização. Às vezes isso leva à paralisia, outras à tirania da maioria. Na pior das hipóteses, empodera os autoritários de extrema direita.
Os liberais também estão a perder o argumento na geopolítica. O liberalismo espalhou-se nos séculos 19 e 20 com pano de fundo a hegemonia naval britânica e, mais tarde, a ascensão económica e militar dos Estados Unidos. Hoje, em contraste, a retirada da democracia liberal acontece enquanto a Rússia desempenha o papel de sabotador e a China afirma o seu poder global crescente. No entanto, em vez de defender o sistema de alianças e instituições liberais que criou após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos negligenciaram-no - e até, sob o comando do presidente Donald Trump, atacaram-no.
Esse impulso para recuar é baseado num equívoco. Como o historiador Robert Kagan aponta, os Estados Unidos não mudaram do isolacionismo entre guerras para o noivado pós-guerra a fim de conter a União Soviética, como é frequentemente assumido. Em vez disso, tendo visto como o caos das décadas de 1920 e 1930 gerou o fascismo e o bolchevismo, os seus estadistas do pós-guerra concluíram que um mundo sem líder era uma ameaça. Nas palavras de Dean Acheson, secretário de Estado, a América não podia mais sentar-se “na sala de espera com uma espingarda carregada, esperando”.
Segue-se que o desmembramento da União Soviética em 1991 não tornou, de repente, a América segura. Se as ideias liberais não sustentarem o mundo, a geopolítica corre o risco de se tornar na luta pelo equilíbrio do poder e pela esfera de influência que os políticos europeus enfrentaram no século XIX. Isso culminou nos campos de batalha enlameados de Flandres. Mesmo que a paz de hoje se mantenha, o liberalismo sofrerá à medida que os crescentes temores de inimigos estrangeiros levem as pessoas para os braços de homens autoritários e populistas.
É o momento de uma reinvenção liberal. Os liberais precisam de gastar menos tempo a rejeitar os seus críticos como tolos e fanáticos, e reparar o que está errado. O verdadeiro espírito do liberalismo não é autoconservador, mas radical e disruptivo. A The Economist foi fundada para fazer campanha pela revogação das Corn Laws, que cobravam impostos sobre as importações de grão para a Grã-Bretanha vitoriana. Hoje isso soa comicamente despiciendo. Mas na década de 1840, 60% do rendimento dos operários destinava-se a comida, um terço do rendimento do pão. Fomos criados para nos alinharmos com os pobres contra a nobreza cultivadora de milho. Hoje, nessa mesma perspectiva, os liberais precisam de se aliar a um precariado lutador contra os patrícios.
Os liberais devem abordar os desafios de hoje com vigor. Se prevalecerem, será porque suas ideias são não têm rival na sua capacidade de espalhar liberdade e prosperidade
Devem redescobrir a sua crença na dignidade e autoconfiança individuais - restringindo os seus próprios privilégios. Devem parar de ridicularizar o nacionalismo, mas reivindicá-lo e enchê-lo com a sua própria marca de orgulho cívico inclusivo. Em vez de alojar o poder em ministérios centralizados e tecnocracias que não respondem perante ninguém, deveriam devolvê-lo às regiões e aos municípios. Em vez de tratar a geopolítica como uma luta de soma nula entre as grandes potências, os Estados Unidos precisam recorrer à tríade auto-reforçadora de seu poderio militar, dos seus valores e dos seus aliados.
Os melhores liberais sempre foram pragmáticos e adaptáveis. Antes da primeira guerra mundial, Theodore Roosevelt enfrentou os barões extorsionistas que administravam os grandes monopólios da América. Embora muitos dos primeiros liberais temessem o governo pela multidão, abraçaram a democracia. Depois da Depressão, na década de 1930, reconheceram que o governo tem um papel limitado na administração da economia. Em parte, a fim de afastar o fascismo e o comunismo após a Segunda Guerra Mundial, os liberais projectaram o estado social.
Os liberais devem abordar os desafios de hoje com igual vigor. Se prevalecerem, será porque as suas ideias não têm rival na sua capacidade de espalhar liberdade e prosperidade. Os liberais deveriam abraçar as críticas e acolher o debate como uma fonte do novo pensamento que reavivará o seu movimento. Devem ser ousados e impacientes pela reforma. Os jovens, especialmente, têm um mundo para reivindicar.
Quando The Economist foi fundado há 175 anos, o nosso primeiro editor, James Wilson, prometeu "uma séria disputa entre a inteligência, que avança, e uma indigna e tímida ignorância que obstrui o nosso progresso". Renovamos a nossa promessa a essa disputa. E pedimos aos liberais em todos os lugares que se juntem a nós.
(Tradução)
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Para além deste texto, o mesmo número do The Economist contém um ensaio, de dez páginas, intitulado "The Economist at 175: Reinventing liberalism for the 21st century" disponível aqui (em inglês), para além de um conjunto de referências bibliográfica e de sugestões para leitura complementar aqui.