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Uma ideia de acção política: um partido libertário


Texto integral da apresentação realizada na

3.ª edição do Colóquio “Pensamento Libertário: Passado, Presente e Futuro” 17 de Março de 2016 “Uma ideia de acção política: um partido libertário”.

Boa tarde,

Antes de começarmos, propriamente, com o tema desta intervenção, gostaríamos de,

  • em primeiro lugar, felicitar a organização do colóquio “Pensamento Libertário: Passado, Presente e Futuro” pela iniciativa, que, apropriadamente, coincide com a data em que na Roma antiga se realizava a Liberália, em honra do deus Liber, que celebrava a emancipação dos jovens, e a aquisição da sua liberdade enquanto cidadãos de pleno direito;

  • em segundo lugar, agradecer, à mesma organização, e em particular ao Dr. Jorge Mateus, o convite endereçado aos proponentes da criação de um Partido Libertário Português para se fazerem representar nesta edição – de muitas, esperamos – deste colóquio; e

  • por fim, agradecer a presença de todos os que, assim, manifestam o seu interesse – ou, pelo menos, curiosidade – em conhecer a nossa proposta de criação de um partido libertário. Muito obrigado.

Um partido libertário português – como é do conhecimento geral – formalmente, ainda não existe. Existe, sim – tal como o título desta apresentação sugere – enquanto ideia de um grupo de pessoas que apoia, e que promove, a sua fundação. E é nessa qualidade, enquanto elemento integrante desse grupo, que aqui me apresento.

1. Para quê, e porquê, um partido libertário?

O pensamento libertário, como qualquer outra ideologia, contém três elementos definidores: um ponto de partida, isto é, uma interpretação própria das causas e das forças que conduziram a sociedade ao seu estado actual; contém, também, um ponto de chegada ou objectivo: uma visão daquele que deverá ser o modelo de sociedade ideal; e, por fim, apresenta uma proposta de acção para a evolução do estado actual da sociedade para outro cada vez mais próximo dessa visão ideológica. Em síntese: como, a partir da actual situação, transformando-a, se pode gerar um novo tipo de sociedade.

1.1. Neste momento, já existem, em Portugal, muitas iniciativas que desenvolvem, com muito mérito e oportunidade, a primeira dessas funções: a da informação, baseada na análise e no comentário político, numa perspectiva anti-situacionista, da realidade que é apresentada pelos formadores da opinião pública. Este notável trabalho tem vindo a ser desenvolvido através de alguns blogues e de alguns casos – ainda raros – na imprensa.

Para ilustrar o que referimos, consideremos a forma como a União Europeia e as debilidades do sistema bancário são tratados pela imprensa. Referindo-nos a dois eventos recentes – a crise financeira global de 2007/08 e a crise da zona Euro –, que vemos? Um discurso único, de cariz dogmático, defendendo que qualquer alteração na actual ordem existente – no sistema bancário e na União Económica e Monetária (UEM) – representariam um retrocesso civilizacional. Logo, concluem, devem ser realizados todos os esforços para preservar a estabilidade do sistema financeiro, por um lado,

e o projecto de construção europeia, por outro. Independentemente dos seus custos.

Independentemente dos seus custos? Como diz a expressão inglesa, nós, os libertários, “we beg to differ”.

Divergimos porque não concordamos com as premissas do argumento. Quer na ciência económica, quer na filosofia política, encontramos exemplos de interpretações e teorias que apontam para outras “soluções”. Nas palavras inspiradoras de Friedrich Hayek: “Se a política é a arte do possível, a filosofia política é a arte de tornar politicamente possível o aparentemente impossível”.

1.2. Chegamos, assim, à segunda vertente, a da formação sobre o pensamento libertário. Este ponto, em particular, já beneficia das seguintes iniciativas:

  • da criação do Instituto Ludwig von Mises Portugal que – juntando-se ao número de outras associações e grupos que contribuem para a divulgação do pensamento libertário, nas diversas matizes em que se apresenta –, para além de disponibilizar o acesso a um grande número de artigos e de obras em português sobre o pensamento libertário, promove também a discussão desse e de outros temas em eventos organizados isoladamente ou em parceria com outras entidades;

  • da academia, com a adopção de curricula que estudam os fenómenos sociais numa nova perspectiva – e, quando dizemos nova, não nos referimos apenas a teorias diferentes dentro do mesmo paradigma, do tipo Keynesianismo e Liberalismo, o que já de si seria louvável: referimo-nos a alternativas efectivas ao paradigma actual como, por exemplo, cursos, ao nível da pós-graduação em Ciências da Complexidade, com unidades lectivas sobre Estigmergia Social e Sistemas Adaptativos Complexos;

  • ainda dentro do âmbito da academia, também devem ser referidas, pela sua relevância e oportunidade, iniciativas como a deste colóquio;

  • e uma palavra final, porque importante – é a única que parte da base para o topo –, para a educação e formação dos valores da liberdade através da acção de cada pessoa junto daquelas com quem interage no dia-a-dia: familiares, amigos e colegas; usando as palavras de Voltaire, “Il faut cultiver notre jardin”.

Tudo isto contribui para fundamentar a esperança e a confiança num futuro diferente do presente:

  • porque há alternativas políticas ao actual sistema, em que a decisão é cada vez mais centralizada e de cariz autoritário, i.e., não ratificada pelo voto dos cidadãos; e, também, mais totalitária no sentido em que, independentemente da sua proveniência, as decisões tomadas têm cada vez menos em consideração os direitos e liberdades individuais;

  • porque as medidas tomadas, em termos de política económica, não são inevitáveis; e

  • porque, fundamentalmente, e em síntese, como afirmou Eduardo Lourenço, enquanto seres humanos, “(…) nós não temos um destino traçado. Nós somos liberdade pura”.

Com efeito, existem outras propostas. Retomando os exemplos usados anteriormente, podem, e devem, ser apresentadas e discutidas alternativas ao actual modelo de funcionamento do sistema bancário, baseado em reservas fraccionárias, tais como um sistema bancário funcionando num sistema de reservas a 100% como, por exemplo, a seguinte:

Irving Fisher (1936) reivindicou as seguintes vantagens para este plano:

  • Muito melhor controle de uma importante fonte de flutuações do ciclo económico: os aumentos repentinos e contrações do crédito bancário e da oferta de dinheiro criado pelos bancos;

  • A completa eliminação das corridas aos bancos;

  • Redução drástica da dívida pública (líquida);

  • Redução drástica da dívida privada, já que a criação de dinheiro não exige a criação simultânea de dívida.

Os autores deste estudo – dois economistas do FMI – referem que encontram “apoio para todos as alegações de Fisher. Além disso, os ganhos do PIB seriam de cerca de 10 por cento (caso dos E.U.A.), e a inflação do estado estacionário pode cair para zero sem representar problemas para a condução da política monetária.” Nada mau, acrescentamos nós.

Já no caso da UEM, o abandono do Euro como moeda nacional, com o regresso a uma moeda própria num sistema financeiro internacional de câmbios flexíveis, em que o seu valor é determinado pelo mercado, e não fixada por decreto, como acontece actualmente, seria um modo de, entre outras, absorver o impacto dos efeitos de crises económicas futuras. Se não, vejamos.

Comparando o desempenho das economias Irlanda e da Islândia, nos anos que se seguiram ao início da crise de 2007/08, vemos que os tempos difíceis que se seguiram não foram provocados por desequilíbrios nas finanças públicas: em ambos os casos, antes da crise deflagrar, a execução orçamental gerava excedentes.

Mas semelhanças acabam aí. O facto de a Irlanda se enquadrar num regime de câmbios fixos, o impacto da crise foi sentido no emprego; i.e., na economia real…

…ao passo que no caso da Islândia, que vive num regime de câmbios flexíveis, o ajustamento foi feito por via da taxa de câmbio, com a depreciação da Coroa Islandesa nos mercados cambiais que, ao mesmo tempo tempo que tornava as exportações mais competitivas, encarecia a importações, contribuindo, desse modo para um aumento da inflação. O impacto fez-se sentir, principalmente, nas variáveis nominais.

Os resultados dos ajustamentos, um nas variáveis reais – na Irlanda – , e o outro – na Islândia – nas variáveis nominais, podem ser vistos na maior ou menor rapidez com que essas economias voltaram ao crescimento económico.

1.3. Existindo já estes veículos para a disseminação e divulgação do pensamento libertário, e de alternativas ao pensamento e discurso situacionista, que falta, então? Tal como Almada Negreiros, que disse “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade”, também nós respondemos a esta pergunta com uma proposta de acção: a criação de um partido libertário, em Portugal, que contribua para a completa realização do potencial, e do conceito de felicidade de cada um, e de todos, os seus cidadãos.

Do que se disse, decorre, implicitamente, que um partido libertário é apenas uma das três condições necessárias e suficientes para que se possa interagir com a realidade social que se pretende alterar: o pensamento, o discurso, e a agência humana. Só a coordenação entre essas três vertentes pode revelar-se eficaz: a omissão de uma das componentes resultará sempre numa estratégia estritamente dominada.

2. Como é que um partido libertário pode contribuir para a mudança?

O contributo do Partido Libertário Português manifesta-se em duas dimensões: na forma e na acção.

2.1. No que se refere à forma, a proposta de valor apresentada por um partido libertário, que o distingue da concorrência – usando o jargão dos consultores – reside no facto de, estatutariamente, apenas aceitar exercer o poder legislativo, i.e., fazer-se representar no parlamento. O que, à partida exclui, entres outras, qualquer possibilidade de se prestar a acordos que possam viabilizar governos: a liberdade, porque bem supremo, não é negociável.

E mesmo a representação parlamentar será determinada por regras diferentes daquelas que são as commumente aceites, como na definição dos elementos que integram as listas de candidatos a deputados: o partido libertário propõe-se seleccionar esses elementos por sorteio de entre todos os que, da sua base de militantes, se voluntariarem para essas funções.

Teremos, assim, desde a base, a adopção do princípio da demarquia como modelo para a escolha dos representantes dos cidadãos, em vez de fazê-lo através do recurso a profissionais da arte da representação parlamentar.

Depois, diferenciamo-nos dos demais através do discurso e da acção, exibindo sempre dois dos atributos fundamentais do pensamento libertário: a tolerância e o respeito pelo direito de cada qual conduzir a sua vida do modo que considerar mais apropriado e, em consequência, pela existência de diferentes formas de organização social. Nas sábias palavras de Hayek: “Todas as teorias políticas assumem, está claro, que a maioria das pessoas é muito ignorante. Os que anseiam pela liberdade diferem do restantes pelo facto de se incluírem a si mesmos entre os ignorantes, bem como aos mais sábios. (…). O argumento clássico para a tolerância formulado por John Milton e John Locke e consolidado por John Stuart Mill e Walter Bagehot fundamenta-se, é claro, no reconhecimento desta nossa ignorância”. Por isso, a imposição da perspectiva pessoal dos que dizem que “nunca se enganam e que raramente têm dúvidas” é, do ponto de vista do pensamento libertário, um acto coercivo.

2.2. No que concerne a acção, a orientação da acção parlamentar submeter-se-á a uma perspectiva igualitarista da sociedade. Contudo, a igualdade que defendemos é, quanto a nós, a igualdade primordial: a isonomia, ou igualdade de todos os cidadãos perante a lei. A abolição das desigualdades dos cidadãos perante a lei – leges – , i.e., acabar com as leis destinadas a indivíduos ou grupos específicos, privados – a privi leges –, é um dos objectivos políticos determinantes da acção de um partido libertário. No que se refere ao seu âmbito, a lei deve ser verdadeiramente geral e universal. Sem excepções.

Já no que se refere à sua substância, a actuação parlamentar centra-se na abolição de toda a produção legislativa que se revista de uma perspectiva moral, ou que não se circunscreva à protecção dos direitos naturais como os da autonomia pessoal e da liberdade individual, e do direito de propriedade. A iniciação do uso da força entre pessoas ou grupos de pessoas contra esse conjunto de direitos é sempre considerada, pelo pensamento libertário, como uma invasão ilegítima da autonomia e da liberdade individuais, ou da sua propriedade. A liberdade de um indivíduo acaba, assim, onde começa o outro ou a sua propriedade. Sendo que, para qualquer indivíduo, só esta última – a sua propriedade – é negociável, i.e., objecto de transacções comerciais. Nem mesmo o próprio pode vender-se, voluntariamente, como escravo: relembremos as palavras de Eduardo Lourenço.

Decorre directamente do conceito de isonomia, que a apropriação do património ou do rendimento de terceiros por qualquer indivíduo, ou grupo de indivíduos, independentemente da forma como estejam organizados, é uma violação do princípio de não-agressão. A lei, por definição, é igual para todos. Assim, o facto de um grupo de indivíduos que reclama para si, com sucesso, o monopólio do uso da violência sobre um determinado território – isto é o estado, na definição de Max Weber -, não lhe confere qualquer legitimidade para dispor das outras pessoas ou da sua propriedade como muito bem lhe aprouver.

Em síntese, as duas directrizes principais da acção da representação parlamentar de um partido libertário, que resultam do que acabámos de referir, são a defesa da inviolabilidade da autonomia pessoal e a defesa, conexa e inseparável, do direito de cada um dispor da sua propriedade como muito bem lhe aprouver.

Retomando os nossos exemplos, como poderá a intervenção dum partido libertário no âmbito legislativo contribuir para a alteração do status quo?

Da comparação, realizada mais acima, entre a evolução da economia da Irlanda e da a Islândia nos anos que se seguiram à crise de 2007/08, vê-se que uma das razões determinantes da rápida recuperação da economia da Islândia, para níveis de crescimento económico e de emprego pré-crise, residiu no facto de a Islândia dispor de moeda própria: a desvalorização da coroa islandesa encareceu as importações e tornou mais competitivas, no mercado internacional, as exportações islandesas. Não foi por acaso que, depois desta experiência, em 2015 a Islândia retirou o pedido, que havia feito em 2009, de adesão à União Europeia.

Essa é, também, uma das prioridades do partido libertário: a proposta de realização de um referendo sobre a permanência de Portugal na União Económica e Monetária, e na União Europeia.

Porquê, também, da União Europeia? Os números falam por si.

(Clicar aqui.)

E, se há alguns países que já despertaram, outros estão a seguir-lhes os passos.

Já na alteração do modelo de funcionamento do sistema bancário para um sistema de reservas a 100% basta, mais uma vez, aplicar a lei geral e universal. Vejamos o seguinte exemplo.

Suponham que vão ter que viajar de avião, a Madrid, e regressar no dia seguinte. Deslocam-se ao aeroporto, no vosso carro, e deixam-no no parque de estacionamento do aeroporto. Imaginem, agora, que a empresa que gere o parque de estacionamento, antecipando que o carro só será levantado no dia seguinte, decida alugá-lo a terceiros. Que aconteceria se ao fim desse mesmo dia, um seu familiar fosse buscar o carro ao parque? Não o poderia fazer, porque o carro, simplesmente, não está lá. Se o dono da viatura tivesse conhecimento desse facto, muito provavelmente pensaria duas vezes antes de deixar o carro no parque de estacionamento. Porque estariam a ser violados os termos de um contrato de depósito: o direito de propriedade sobre o bem depositado permanece com o seu dono. Efectivamente, segundo o artigo 1185º do Código Civil, “depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida.”

Mas não é isso o que os bancos fazem? Utilizar os valores dos depósitos à ordem, como se se tratassem de recursos seus, para a concessão de crédito? Não só, mas também: para o caso presente, é suficiente. Porque esta é a razão fundamental da fragilidade do sistema bancário assente num sistema de reservas fraccionárias. Se a lei se aplicasse, sem excepções, o actual modelo de funcionamento do sistema bancário teria que ser, no mínimo, revisto.

Tal como no caso da União Europeia, também aqui já despontam alguns sinais de uma mudança que se afigura inevitável.

3. O substrato para todas as utopias

Chegados a este ponto, muitos poderão interrogar-se: mas…é tudo? Basta a intervenção legislativa para se alterar a sociedade? O que aconteceu à visão de longo prazo, ao objectivo do pensamento libertário, enquanto ideologia – que, dissemos, “contém, também, uma visão daquela que deverá ser a sociedade ideal, tendo em consideração a completa realização do potencial, e do conceito de felicidade de cada, e de todos, os indivíduos”?

Efectivamente, até este ponto tudo o que temos mencionado refere-se ao curto e médio prazo. Poderíamos dizer, citando Keynes, que “o longo prazo é um guia inadequado para problemas actuais. A longo prazo, estaremos todos mortos.” Mas não o faremos, porque a vontade de cooperação e o altruísmo inerentes ao pensamento libertário não nos permitem perspectivar os problemas actuais, egoisticamente, pensando apenas na actual geração. Preferimos, isso sim, considerar também o impacto que as nossas acções, no presente, possam vir a ter, não só nas nossas vidas mas, também, nas das gerações vindouras.

Um dos sinais do futuro que se nos espera é o seguinte: já há algum tempo começaram a surgir, com insistência, defensores de uma sociedade do dinheiro desmaterializado – a cashless society. Que, não podemos deixar de registar, coincide, curiosamente, com o momento em as taxas de juro nominais assumem valores negativos, i.e., em que os depositantes têm que pagar, ao banco, um juro sobre o valor do seu dinheiro depositado no banco. Será, porventura, uma compensação pela perda das receitas da senhoriagem?…

Os argumentos a favor dessa mudança incidem, para já, na redução dos custos de transacção (que também foram invocadas para a criação do Euro). Mas, a curto prazo, começaremos a ver argumentos, do tipo “se todos pagarem os seus impostos, cada um irá pagar menos” – que já hoje são usados para incentivarem os contribuintes a agir como agentes da autoridade tributária, denunciando casos de incumprimento na emissão ou omissão de reporte de facturas -, para justificar esta medida.

Podemos imaginar, pois, num futuro não muito distante, em que toda a moeda é escritural, mantida e gerida pelos bancos, que existem os meios para que a liberdade de escolha cerceada pela tributação progressiva – não em termos de rendimento, como já hoje é – mas noutra dimensão: na do consumo. Por exemplo, em nome da sua saúde, e da das finanças públicas, a taxa de IVA sobre o segundo maço de cigarros consumido num determinado período de tempo, será 150% da taxa base; para um terceiro, será de 200%…

Assim, não serão só os impostos directos com taxas de imposto progressivas, mas também os impostos indirectos, que até aqui têm apenas podido ser diferenciados por tipo, poderão passar a ser alvo de taxas de imposto progressivas, em função da quantidade. Não só a lei é diferente consoante o nível de rendimentos, mas também passará a ser diferente de acordo com o nível de consumo realizado.

E na banca? Decorre da novo mecanismo de apoio aos bancos em dificuldades (bail-in), no âmbito do projecto da União Bancária, que os saldos acima dos €100.000,00 dos seus depositantes serão usados para recapitalizar as instituições de crédito em dificuldades. Se tiver o azar de o seu banco ir à falência no preciso momento em que o saldo da sua conta à ordem se encontrava, temporariamente, acima dos €100.000,00 – por exemplo, enquanto não utilizava a receita da venda da sua actual casa para pagar a sua futura casa, devidamente salvaguardada com o respectivo contrato de promessa de compra e venda -, verá esse excedente automaticamente retirado da sua conta bancária. Bem-vindos ao admirável mundo novo.

Para que aconteça, basta que todos fiquemos de braços cruzados.

4. First things first

Mas nós preferimos seguir um caminho diferente. Aquele em que cada um, e todos, dispõem do máximo de igual liberdade negativa prática, ou, em português, o máximo de igual ausência de coerção, pela parte de terceiros, nas iniciativas e decisões de cada um. Porque, nessas circunstâncias, estaremos a criar as condições para a “framework for utopia” – ou substrato para a utopia – Nozickiano, em que a acção de cada cidadão, para a realização da sua própria visão do modo como deve conduzir a sua vida, isoladamente ou em grupo, é da sua inteira e exclusiva responsabilidade.

Portanto, a resposta à questão colocada – “Basta a intervenção legislativa para se alterar a sociedade?” – é: sim, desde que seja essa a vontade expressa dos cidadãos. Para isso, a primeira e fundamental tarefa para a constituição de um partido político passa pela recolha das 7500 assinaturas de cidadãos eleitores exigidas por lei para pedir, junto do Tribunal Constitucional, a sua inscrição como tal. A subscrição desse pedido não implica, necessariamente, que o subscritor se identifique com as propostas defendidas por esta ideologia: representa, isso sim, um acto de civilidade ao subscrever que aqueles que, actualmente, não se vêem representados pelas actuais forças políticas, possam criar as condições para participar, activa e politicamente, na defesa dos seus pontos de vista políticos e sociais.

Depois, como já referimos, teremos que conseguir mobilizar todos os que defendem a ideia de liberdade, quer através da filosofia política, quer da informação e discussão dos eventos políticos, e quer, ainda, da transformação da sociedade por via da intervenção activa na vida política, para conseguirmos, em conjunto, disseminar os valores e as alternativas que consubstanciam o pensamento libertário.

Como qualquer outro projecto, a criação de um partido político exige a alocação de recursos – humanos e financeiros – e o dispêndio de esforço. E um partido político não deixa de ser um projecto. Mas, não sem alguma ironia, com uma particularidade: é um dos “bens”, no sentido económico do termo, que mais se aproxima da essência de um bem público puro.

Compete-nos, por isso, desde o início, mostrar que este bem público será provido com o esforço e o trabalho de todos. Que todos estamos dispostos a pagar o preço para vivermos, e deixarmos aos nossos filhos, uma sociedade mais livre.

Estas são, em resumo, algumas das razões pelas quais propomos a criação de uma partido libertário em Portugal. Como dissemos no início, neste momento é apenas uma ideia, mas

Poderemos, como muitos já o foram antes de nós, ser acusados de perseguirmos uma utopia. Mas também sabemos que “a utopia é algo que colocamos no nosso horizonte, damos dez passos e ela afasta-se dez passos, damos mais dez passos e ela afasta-se outros dez. Mas é para isso mesmo que ela serve: para nos fazer caminhar”.

Por isso, a pergunta que fazemos, neste momento, a todos os que defendem o pensamento libertário, é a seguinte:

“You talk the talk, but do you walk the walk?”

Muito obrigado.

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